domingo, 12 de junho de 2011

Entrevista // Guilherme Arantes


Sérgio Vilar // sergiovilar.rn@dabr.com.br //

"A espontaneidade da música morreu"
O Dia dos Namorados pode ceder licença a um cinquentão roqueiro. Mesmo que o cara seja um hitmaker de canções românticas. Ou quem nunca cantou "Uuuhh, cheia de charme; desejo enorme, de se aventuraaar!!"?. Ou então: "Quando eu fui ferido, vi tudo mudaar!!"? A história e as declarações de Guilherme Arantes vão além dos sucessos das novelas da Globo. E uma fatia amarga desse bolo agridoce será mostrada hoje no Teatro Riachuelo. Mas tem lá os docinhos da festa, os "14 grandes hits" do artista, ironizados pelo próprio compositor na entrevista exclusiva dada à equipe de O Poti. Será um show completo, diferenciado para comemorar 35 anos de carreira. Para contrariar, ele elogia mais suas composições menos conhecidas. Jura que ainda gravará um CD com os "20 maiores fracassos de Guilherme Arantes". E nessa coletânea - seria uma das 34 da carreira - o público poderia conferir um passeio pelo rock progressivo, pelo pop romântico, pela MPB e new age, na execução de um piano que mostra possibilidades roqueiras no instrumento; por uma voz inconfundível e uma postura de artista crítico de velho roqueiro.

Como será o show em termos de repertório e arranjos?
Refiz os componentes da banda. Estamos mais roqueiros, com som mais pesado. É um resgate daquela sonoridade do fim dos anos 70, quando iniciei a carreira. Então, vamos tocar Perdido na selva, Xixi nas estrelas, Taça de veneno, Marina no ar# Não vão ser só aqueles "14 grandes sucessos". Isso é monótono; é chato. O artista sempre tem aqueles 14 grandes sucessos. É o que cabe na legislação do CD formatado pelas gravadoras. É assim com Tom Jobim, Chico Buarque e o Parangolé. É ridículo! Então, vamos mostrar um repertório bem maior de 25 músicas, diferente do que o pessoal está acostumado a ouvir.

Neste novo cenário de redes sociais, novela em queda de prestígio e música independente em alta, você acha que faria o mesmo sucesso de décadas atrás?
Não, não faria. E sucesso - uma palavra desgastadérrima - é circunstancial; depende de uma coisa chamada negócio: o contrato fechado com as rádios, os interesses da gravadora e avelha doença crônica do "jabá". É assim no mundo. A espontaneidade da música morreu. Não há mais surpresas. Quem vive no meio já sabe qual artista vai estourar nos próximos dois anos. Tudo é planilha. Então, o sucesso perdeu valor; virou coisa estudada em reunião. Sou da era Beatle, de ver surgir um Chico Buarque, uma geração inesperada. Hoje o inesperado não tem mais expressão.

Culpa das redes sociais?
Esse panorama das redes sociais é chatíssimo. As postagens, em breve, serão automáticas, via software. Quer dizer: o cara está pescando e o computador posta algo dele na net. Ou seja: é uma realidade e ao mesmo tempo uma armadilha. É uma cibernética enlouquecida sem expressão humana. Hoje já se tem até mecanismos de modificação de vozes para gravação. Incutem até sentimentos, índices de raivosidade na voz, coisas do tipo. Então, qual verdade nisso tudo?

E qual sua reação a essa tendência?
Estou prestes a comprar um cravo (instrumento musical datado do século 17) para voltar à Renascença. É minha reação a essas bostas que vemos aí. Não acredito em fenômeno das redes sociais. Falam em milhões de acessos# Será que não são equipes por trás da atualização desses blogues? Não posso falar em nomes porque tenho amigos no meio. Mas qual valor tem isso? Será que esses artistas têm tempo para blogarem tanto? Se tem, se transformaram em idiotas cibernéticos, sem tempo para os livros, para meditar novas ideias, novas éticas e estéticas para o mundo. Então é muito relativa essa Era da Informação. Ao mesmo tempo que se pintam de moderninhos, vivem a época retrô do passado glorioso dos anos 60. Claro, tem o mundo fascinante da internet. Se quero entender mais sobre o cravo, tem lá todas as informações de que preciso, sem aquela pesquisa suada nas bibliotecas. E aí a internet é fantástica.

Quem são suas influências de ontem e quem seria se você começasse a carreira hoje?
Chico Buarque, Beatles, Elvis, Elton John e suas canções magistrais, de beleza ímpar. Tem o The Cure de Robert Smith, que acho muito talentoso. Mas principalmente Ray Charles, o sentimento dele, sua verdade; sua música é muito consistente. E dentro do meu estilo, o Coldplay. Acho que parece muito comigo: a angústia, as letras, o jeito de cantar do Chris Martin, embora metam o pau por ele não ser roqueiro nato. Será que importa essa macheza toda do rock? Mas têm artistas muito modernosos que não gosto, a exemplo de David Byrne. Acho uma música sem sal, cerebral demais. Acho que falta sofrimento na música dele.

E hoje?
Lenine, Zeca Baleiro: são fantásticos. Das novas gerações citaria o Marcelo Jeneci, que já dei muita força. É como um discípulo que de certa forma segue minha escola. As mulheres também estão muito influentes: Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata, que revitalizou a coisa da mulher na música. Mas acho que o Brasil está empobrecido musicalmente. Está muito genérico. Muita banda resgatando música de Roberto Carlos, revitalizando coisa antiga. Isso é uma covardia das gravadoras. Produzem uma espécie de alpinistas sem cordas, que se aproveitam dos pinos deoutros que ficam pela montanha para escalar o sucesso. Quem abriu esse caminho foram pessoas como Júlio Barroso, Hebert Viana, eu. Eu não fiz parte daquela patota de priminhos e amiguinhos do pop-rock dos anos 80, mas fiz minha história.

Música empobrecida também decorre do público empobrecido culturalmente?
Também parte dessa predisposição de desejar o que já conhece. É mais confortável. E o mundo hoje está muito chato, muito complexo. O mundo todo tá pedante. É muito pré-requisito pra tudo. O cara vai batalhar um emprego e perguntam se ele domina uma terceira, quarta, quinta língua. O problema é que tem gente demais no mundo. Precisaria morrer uma galera. Aquela vida simples e humana está se perdendo. É muita banda larga pra pagode de quinta categoria, sabe? São 30 gibabytes para assistir o rebolation em hard definition, em milhões de mega pixels. Eu sou do tempo de ver Alegria Alegria em baixa definição.

Você tem certo apreço pelo Nordeste, saiu de Sampa para morar na Bahia. E uma história de shows em Natal. O que espera encontrar por aqui dessa vez?
Já fizemos um pouco de tudo por aí. E dessa vez será um show imperdível, um novo momento de minha carreira. Natal é uma cidade belíssima, das mais incríveis para viver, visitar; é adorável. É uma delícia ir para Natal. Minhas melhores lembranças de shows são em Natal, Fortaleza e João Pessoa. E hoje Natal é uma metrópole, com apelo turístico mundial. Não é mais aquela cidade provinciana de 20 anos atrás.

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