O Hospital Psiquiátrico João Machado viveu ontem uma manhã conturbada. À entrada do Pronto Socorro, médicos e servidores da saúde realizaram ato público contra a possibilidade de “a porta de entrada” dos casos de urgência e emergência da psiquiatria do Estado – o pronto socorro - passar a ser gerido pelo Município de Natal. No interior do PS, 47 pacientes aguardavam, sem previsão, atendimento ou transferência para leitos de internação naquela ou em outras unidades. Dezessete a mais da capacidade de leitos oferecidos na emergência, cujas acomodações eram improvisadas em cadeiras e no chão.
fotos:alex regis
Servidores e médicos se posicionam contra a municipalização do Hospital João Machado
A discussão sobre a municipalização do serviço é quase tão antiga quanto o problema de superlotação no setor. Segundo o presidente do Sindicato dos Médicos Geraldo Ferreira, apesar de ser de competência do município, a transferência de responsabilidade acarretará prejuízos à população, uma vez que a Prefeitura do Natal não consegue gerir sequer as 82 unidades de assistência básica de saúde. “Desconfiamos da capacidade do município de gerir. É fazer desaparecer o problema da Sesap e agravar o do paciente. O retrato já é conhecido: devolver o paciente sem internação porque não há leitos”, observa Ferreira.
Ao todo no Estado, existem 500 leitos, divididos entre os hospitais psiquiátricos João Machado (153), Severino Lopes, mais conhecido como Casa de Saúde Natal (160), Hospital de Mossoró (160), Caps 3 – Natal (8) e Caps 3 – Caicó (8).
“O ideal seria 1.300 leitos de psiquiatria no Estado e não o fechamento de leitos”, enfatiza o psiquiatra Guaraci Barbosa. A manifestação foi realizada no dia em que a Clínica Santa Maria, da rede conveniada ao SUS, foi descredenciada pela Secretaria Municipal de Saúde, resultando em menos 100 leitos psiquiátricos.
O movimento, segundo Barbosa, repudia a possibilidade de “se valendo do princípio da reforma psiquiátrica, empurrar para a família o cuidado dos pacientes de transtornos mentais”, quando esta deve ser compartilhada com a saúde pública. “Não se pode fazer nada de modo intempestivo, improvisado, sob capa de movimento antimanicomial”, afirma.
Hoje Natal conta com cinco Caps, dos quais só um do tipo 3. O Caps 3 - Leste oferece serviço 24 horas e com seis leitos para internação. A técnica de enfermagem Elionora Batista revelou que à noite de segunda para a terça-feira, cerca de 20 pacientes tiveram que dormir no chão por falta de leitos. Em alternativa a mudança na forma de gestão do pronto Socorro do HPJM, o Sinmed e apontam a criação de um nova emergência psiquiátrica, com estrutura e pessoal próprio do município.
Pacientes reclamam da superlotação
A Tribuna do Norte teve acesso às dependências do pronto-socorro do Hospital João Machado e se deparou com pacientes e familiares reclamando de falta de espaço e do descaso. A enfermaria masculina estava lotada de homens e também mulheres, em horário de almoço. Romildo Luiz da Silva Júnior, 42, morador de Goianinha, disse que ficou até às 3 horas da madrugada no chão. “Só deitei porque outro paciente me deu a vez. Trocou comigo e foi pro chão”, disse. Na enfermaria, havia mais de 20 homens e apenas 13 camas. O paciente é mantido em observação e deve ter alta em breve.
A agricultora Geralda Pereira da Silva Costa, 48 que acompanha a irmã Maria Clidineide Pereira da Silva, 45, que deu entrada na tarde de segunda-feira e na manhã de ontem engrossava a lista dos que aguardam vaga para internação. Com a falta de leito, a moradora de Coronel Ezequiel revela que a divisão das alas é ignorada e ainda dos tipos de quadro clínicos, são ignorados. “É uma bagunça geral. Não tem onde ficar e nem previsão de quando ela será internada”, disse a acompanhante.
A paciente Miliana do Nascimento Tavares, 28, conta que aguarda alta médica, mas sem a avaliação, continua ocupando a vaga no PS. E que é comum o revezamento de leitos, por parte dos próprios internos.
Apesar de informada da falta de vaga, a dona de casa Lucimar da Silva Cunha, 34, tentava internar o marido Sérgio Ricardo da Cunha, 36, que é alcoólatra. O casal mora no Bom Pastor e conta que foi encaminhado, após procurar o Caps Oeste. “Preciso de internação não dá para ficar com ele em casa”, desabafa. O paciente já deu entrada outras sete vezes. Era quase meio-dia, quando ele foi admitido para avaliação médica.
SMS não tem como absorver serviço
“A Secretaria (Municipal de Saúde) não tem, hoje, condições de assumir o pronto-socorro do Hospital João Machado”. A constatação é da coordenadora de saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde Cristiana Leite, que esclareceu que a municipalização deverá ocorrer até o final deste ano e não em prazo de dez dia. Para ocorrer hoje, pontua Cristiana, seria necessário se valer de profissionais da cooperativa médica ou mesmo da realização de um concurso público, além de prédio.
O prazo dado pelo Ministério Público – dez dias - seria para a SMS resolver o desabastecimento nos Caps, que segundo a coordenadora, está em fase de compra de material, e a informação ao MP das necessidades para expansão do serviço de atendimento mental; e à Sesap, formar uma comissão para diagnosticar e apontar soluções para a superlotação no HJM.
Entre as medidas que serão sugeridas hoje, em reunião realizada com a direção do HJM, o Samu e representantes das duas secretarias de saúde, estão a pactuação dos entes para reativação de 35 leitos, da antiga residência psiquiátrica. O local está situado nas dependências do João Machado. “Ao Estado caberá os leitos, estrutura física e parte dos recursos humanos do hospital (João Machado). Ao município, também pessoal, abastecimento e a gestão. Mas o processo será gradual ”, afirma a coordenadora. A SMS ainda não concluiu o levantamento de pessoal, estrutura e equipamentos necessário a expansão dos Centros de Apoio Psicossocial.
A reativação, explica a diretora técnica do HJM Adriene Montenegro, é a medida cabível uma vez que a lei de reforma psiquiátrica proíbe no Brasil a criação de novos leitos para hospitalização desses doentes. “não acredito que esta mudança seja feita de forma intempestiva”.
Durante a reunião, serão definidos ainda o fluxo de regulação dos pacientes, a partir do quadro clínico encontrado pelos socorristas. A medida visa inibir que pessoas em estado menos grave sejam encaminhadas aos Caps tipo II, e os casos mais crônicos para hospitais e caps III. A regulação atenderá ainda o critério de localização.
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