domingo, 13 de fevereiro de 2011

Natal arrecada mais que todo o RN

Os motoristas natalenses pagaram à Prefeitura do Natal, somente ano passado, R$ 6,28 milhões em multas cometidas nas ruas e avenidas da capital do Estado. O valor arrecadado pela Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) é mais que o dobro do que arrecadou, no mesmo período, o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte (Detran/RN). Ano passado, o órgão recebeu R$ 2,76 milhões pelo pagamento de multas cometidas, além de Natal, nos outros 166 municípios potiguares. Por lei, o dinheiro proveniente do pagamento de multas deve ser revertido em benefícios para o trânsito. Porém, as vias mal sinalizadas, a falta de fiscalização e orientação para os condutores, deixam motoristas desconfiados sobre a aplicação da verba nas ruas da capital.

Rodrigo SenaCaneta e bloco nas mãos, os agentes de trânsito são temidos por motoristas, mas maioria das multas é registrada eletronicamenteCaneta e bloco nas mãos, os agentes de trânsito são temidos por motoristas, mas maioria das multas é registrada eletronicamente
O artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) deixa claro: “A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Segundo Haroldo Maia, secretário adjunto de trânsito da Semob, a lei é cumprida em Natal e não existe o que muitos conhecem por “indústria da multa”. “Tudo que arrecadamos é investido no trânsito. Não existe essa história de indústria da multa, pelo contrário, não contamos sequer com um efetivo de agentes de trânsito suficiente para cobrir toda a cidade”, alega.

Do valor arrecadado pela Semob, de acordo com Haroldo, 40% é destinado ao pagamento do contrato com uma empresa que presta serviço de monitoramento do trânsito através de câmeras, radares e fotosensores. Outra parcela é destinada a locação de veículos e prédios, fardamentos dos agentes de trânsito, central de rádio, confecção de placas de sinalização e pagamento de energia elétrica. “Temos também um grande gasto com o serviço de Correios. Para ter ideia, para que uma multa chegue ao seu destinatário pode-se gastar até R$ 20,00”, diz o secretário adjunto.

Um convênio com o Detran/RN absorve outros 20% do que é pago pelos motoristas infratores a Semob. No órgão estadual, a assessoria de imprensa informou que a verba arrecadada com as multas também é gasta com sinalização de trânsito, engenharia de tráfego, policiamento e fiscalização de trânsito e educação de trânsito. “Os investimentos são feitos de acordo com a necessidade dos itens mencionados”, diz a nota emitida pelo Detran/RN.

Atualmente, a Semob conta com cerca de oitenta agentes de trânsito, conhecidos popularmente como “amarelinhos”. Pelo CTB, o ideal é que exista um agente para cada um mil veículos registrados. Somente em Natal, há hoje uma frota superior aos trezentos mil veículos. “Isso sem contar com os caros e motos registrados nas cidades que compõe a Região Metropolitana. Precisamos de pelo menos o dobro de agentes para realizar um bom trabalho”, diz Haroldo.

O “bom trabalho” dos amarelinhos é contestado por alguns motoristas. O servidor público federal, Gustavo Adolfo, 34, acredita que as multas não são eficazes para melhorar a educação no trânsito. “A multa deveria ser aplicada em último caso. É preciso que haja uma educação e orientação do condutor antes. Só multar não adianta nada”, diz. Em 17 anos com carteira de habilitação, Gustavo foi multado seis vezes e desconhece o destino do dinheiro arrecadado pelos órgãos fiscalizadores. “Não tenho ideia para aonde vai esse dinheiro”.  O órgão que fiscaliza o uso correto desse dinheiro é o Tribunal de Contas do Estado. Segundo Haroldo Maia, todos os meses é divulgado, no Diário Oficial, um balanço das contas da Semob.

Amarelinhos se queixam de hostilidade de motoristas

Eles estão nas esquinas dos principais cruzamentos da capital potiguar. “Armados” com bloco, caneta e apito e usando uma farda cuja cor rendeu-lhes a alcunha de “amarelinhos”, os agentes de trânsito são os responsáveis por tentar disciplinar o tráfego de veículos na cidade. Muitas vezes são acusados de não realizarem um trabalho educativo e a tarefa de multar os condutores torna-se perigosa. Ameaças e algumas agressões fazem parte do cotidiano desses profissionais.

Gilmar Gomes, 46, é agente de trânsito há onze anos. Nesse período, diz que já foi ameaçado e com frequência é alvo de xingamentos por parte dos motoristas e pilotos de motos. “Muita gente não gosta do nosso trabalho. Infelizmente temos que multar quando os condutores estão errados”, diz.

“Já discuti com um motorista e ele me ameaçou dizendo que ia me mostrar o caminho para o inferno”, relembra João Maria Medeiros, 48 anos, agente de trânsito desde 2000.

O medo de sofrer agressões por parte dos condutores fez com que Gilmar mudasse de atitude na hora de registrar as ocorrências. “Antes eu sempre apitava e esperava os motoristas, mas eles chegavam querendo brigar, me xingando, queriam me bater. Depois de algumas ameaças, decidi não usar mais o apito”, diz. Segundo o agente, a lei não obriga que ele use o apito toda vez que for multar o condutor.

Com uma carga horária de 30 horas semanais de trabalho, além de escalas no final de semana, cada agente recebe um salário de R$ 1.900,00. O valor pago pela Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) não é questionado pelos servidores. Porém, eles reclamam que falta estrutura e material de trabalho. “Faltam motos e carros para nosso deslocamento. O fardamento também é um problema. Mudou de governo, a secretaria mudou até de nome, e nossas fardas ainda são as mesmas”, reclama Gilmar Gomes.

O salário dos servidores é fixo. Não há gratificações por causa da produtividade. Apesar disso,  Gilmar conta que, entre a categoria, há uma espécie de disputa para saber quem consegue notificar mais multas. Ao sair para as ruas, cada agente leva um talão contendo trinta guias de notificações. “Ano passado, usei somente 48 talões. Esse ano, quero bater meu recorde e usar 100 talões”, diz.

A dedicação pelo trabalho rendeu a Gilmar Gomes um apelido, digamos, curioso. Entre os amigos de profissão, Gomes é conhecido como “canetinha nervosa”. Somente em janeiro deste ano, o “caneta nervosa” usou doze talões de multa. Até a última quarta-feira, já havia usado mais cinco. Se a média continuar durante os outros meses, em dezembro, Gilmar terá usado 144 talões, o que representa 4.320 multas.

Apesar dos números, o agente avisa que não está nas ruas com a intenção de apenas multar. “Temos obrigação de educar os condutores, mas, infelizmente, as pessoas desrespeitam as leis de trânsito. O jeito é multar”, diz Gilmar Gomes.

Polícias Rodoviárias Federal e Estadual também multam

Além do Detran/RN e da Semob, os motoristas do Rio Grande do Norte também são fiscalizados – e multados – pelos policiais militares do Comando de Polícia Rodoviária Estadual (CPRE) e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF/RN). As notificações registradas pelo CPRE são enviadas para o Detran/RN. De acordo com o setor de estatística do Comando, em 2009 foram feitas 21.556 autuações. Em 2010, houve uma redução de 2.339 infrações e ano passado foram notificadas 19.217 multas.

De acordo com o tenente Tony Swamarn, responsável pelo setor de tráfego do CPRE, os casos mais comuns notificados pelos policiais militares são motoristas dirigindo sem habilitação ou sem cinto de segurança e estacionamento em local proibido. “No interior do estado, chama atenção o problema com a falta de capacete. Muitos motoqueiros não usam o capacete. Atraso no pagamento do licenciamento do veículo também é comum”, revela.

Rodovias

Diferente do que aconteceu na capital do estado e do que foi registrado pelo CPRE, nas sete rodovias federais que cruzam o RN, a PRF constatou um aumento no número de infrações entre 2009 e 2010. Segundo Everaldo Morais, diretor adjunto do núcleo de comunicação da PRF/RN, em 2009 foram emitidas 35.568 multas. No ano seguinte, o número subiu para 41.753. Os dados são referentes a notificações registradas apenas pelos agentes federais. “Fora essas infrações, ainda há aquelas registradas pelos radares eletrônicos”, diz Morais. O diretor não soube informar a quantidade de multas registradas eletronicamente nem o valor arrecadado pela PRF com o pagamento das mesmas.

Maioria das infrações é registrada eletronicamente

Foi-se o tempo em que os agentes de trânsitos – chamados amarelinhos – eram os únicos responsáveis por punir motoristas infratores. Além deles, os natalenses são fiscalizados por 33 equipamentos eletrônicos distribuídos nas principais avenidas da cidade.  Apesar da má fama dos agentes de trânsito, são os radares, lombadas eletrônicas e fotosensores os responsáveis pela maior parte das multas.

Das 90.055 infrações registradas em Natal, ano passado, 64.434 (72,66%), foram notificadas eletronicamente. A avenida Bernardo Vieira é o local preferido pelos natalenses para pisar mais fundo no acelerador. Na via, há dois radares que registram a velocidade permitida de 50km/h. “Quem passa acima disso, pode ser multado entre R$ 85,12 e R$ 574,62”, diz Haroldo Maia.

Multas registradas por aparelhos eletrônicos costumam ser mais bem aceitas pelos motoristas do que as notificadas pelos agentes de trânsito. É o caso da enfermeira Adélia Machado, 28 anos. Ela conta que já foi multada três vezes. Em duas ocasiões, a infração foi a mesma: excesso de velocidade.

Por conta da pressa, Adélia teve que desembolsar R$ 170,24 para pagar as multas por exceder o limite de velocidade permitido. Além desse valor, precisou desembolsar mais R$ 85,12 por falar ao celular enquanto dirigia. Nesse caso, a infração foi anotada por um agente de trânsito. A enfermeira reclama que não foi avisada sobre a multa no momento em que cometeu a irregularidade. “Nem sabia que existia um amarelinho no local. Acho isso errado, o certo seria ele apitar e me avisar de que eu estava cometendo a infração. Com a relação a multa do radar, não há o que contestar”, diz.

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