domingo, 17 de julho de 2011

Saudades de Nilson Beckembauer

Hora de lembrar quem foi o atleta que conheceu o futebol nas Rocas, tornando-se craque e dirigente no ABC e no Alecrim.

Por Rogério Torquato
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Fotos: acervos Jamilson Martins e Ribamar Cavalcante
Nilson Beckenbauer (penúltimo em pé) atuou no ABC no começo da década de 1970.
Lá se foi mais um pedaço da história do futebol potiguar, Neste sábado (16), o ex-craque e dirigente Nilson Mário, o Nilson Beckenbauer, "foi para outro plano", como diria o pesquisador, jornalista-de-fato e - por que não? - testemunha ocular Ribamar Cavalcante.O sepultamento ocorreu na manhã deste domingo (17).

Nilson lutava bravamente há anos contra uma maldita hepatite C, mal que tem afligido muitos jogadores de futebol entre as décadas de 1960 ao início da década de1980 - e suas complicações, segundo radialistas. Deixa viúva - "Dona" Margarida Maria, com quem era casado há 41 anos - e dois filhos - Andréa Celi (contadora; foi liderança estudantil desde os tempos do Colégio Salesiano, segunda metade da década de 1980 - mas esta é uma outra história!) e Rodrigo Everton (dentista).

Certo é que morreu sem mágoa do futebol - pelo menos foi o que garantiu à dupla Rogério Torquato "Blau" e Ribamar Cavalcante, há cinco anos. Mas morreu sentindo que faltava mais respeito com os atletas "da casa" - "Em todos os aspectos, não apenas dentro dos clubes, mas inclusive por parte da imprensa: cobra-se demais do pessoal da casa, o que não parece acontecer tanto com quem vem de fora. Com quem vem de fora, se o jogador não se sai bem dizem que 'ele ainda está se acostumando...', o que não acontece com o pessoal da casa. É isso, falta um pouco de paciência", considerou Nilson, em meio a uma longa conversa na ocasião. De quebra, tinha uma certeza: faltava gerenciamento no futebol, daí a decadência.

Por outro lado, entre os fatos mais curiosos de sua carreira está o de ter resistido ao apelido de Beckembauer, comparado que foi ao capitão da seleção da Alemanha no comecinho da década de 1970, o "Kaiser' Franz Beckembauer - "Eu acho que foi por conta das minhas características de jogo: eu tocava a bola com muita calma. Achavam parecido com o Beckembauer. Foi Danilo (Menezes) que encarnou em mim esse apelido de Beckenbauer. No início não gostei!!! Olha, depois até achei bom. Melhor ser lembrado como Nilson Beckembauer do que simplesmente como Nilson Silva...". E tinha de cabeça uma formação do ABC condierada uma unanimidade - "Tião (ele não perdia uma defesa no gol, nunca vi daquele jeito), Sabará. Edson, Telino e Anchieta; Maranhão, Alberi e Danilo Menezes; Libâneo, Jorge Demolidor e Soares (o maior ponta direita que já vi por aqui)."

Em memória e em homenagem a este homem, segue o texto original dos rascunhos do repórter, datado de 2006:


Nilson Beckenbauer


Era uma vez um meiocampista esguio, que na década de 1970 deixou marcas em dois dos principais times do Rio Grande do Norte, combinando talento e estilo a ponto de ser comparado com um dos mais importantes jogadores do mundo à época. Enquanto a Alemanha tinha em seus quadros um rapaz chamado Franz Beckembauer, os potiguares tinham a sua - digamos - cópia: Nilson Mário da Silva, ainda hoje chamado por muitos de Nilson Beckembauer.

Nasceu no meio da Quaresma - 26 de fevereiro de 1948, 18 dias depois do Carnaval - em Jardim do Seridó. "Nem gosto muito de Carnaval...", confessa. "A única coisa que fiz em Jardim do Seridó foi nascer".

Passou a infância em Natal, onde se criou e começou a estudar. E o futebol? "Comecei ali, nas Rocas" - à época, o bairro respirava futebol, e muitos talentos surgiram ali. "Eu ficava mais nas peladas da praia... depois fui para o campo. Joguei no Nacional, no tempo de Albano - que foi jogador e depois técnico, atuou pela selecão maranhense, um homem que tinha a cabeça muito fria".

Foi justamente esse Albano que o viu jogando à beira da praia, e o levou aos gramados. "Lembro que o auxiliar dele era Oziel, já falecido. Foi um dos melhores atacantes do ABC e do América..." Era o ano de 1963, e Nilson defendeu o Nacional das Rocas até 1965, atuando no meio-campo. "Mas às vezes jogava de volante, e outras vezes até de quarto-zagueiro".

No ano seguinte, foi para a Marinha. Mas não deixou de jogar futebol. Como acontece com todo marinheiro no Brasil, passou uma boa temporada no Rio de Janeiro - e aproveitou a oportunidade. "Joguei pela Portuguesa-RJ, como profissional... e aos fins de semana batia bola em Teresópolis. Joguei também em outros cantos, como em Pau Grande, terra do Garrincha"

Entre as feras

Quando viu, já era o ano de 1972 - e Nilson estava a caminho de Natal para defender o ABC! "Ingressei no ABC através do técnico Célio de Souza. Ele me conheceu jogando na Portuguesa".

Naquele tempo, o ABC estava se "assentando" em Morro Branco - então um fim-de-mundo, hoje tomado por casas e apartamentos. E o alvinegro estava organizando um time que estava prestes a participar do então Campeonato Nacional (hoje Brasileiro Série A) e entraria para a história do futebol potiguar. "Sabará, Edson, Telino, Anchieta, Danilo (Menezes), Libâneo, Morais, Alberi, Soares... era um timaço!!!"

Nilson contribuiu para algo raro hoje em dia - "Um dos grandes momentos no ABC foi o fato do time ter passado 25 jogos sem perder uma partida sequer!" Mas o grande momento, para ele, foi um ABC x América, válido pela seletiva ao Campeonato Nacional - "Foi um grande jogo, terminou 1 a zero para o ABC, gol de Davi". Não seria o único momento feliz de Nilson no Mais Querido. "Foram tantos momentos..." - tira os óculos, esfrega os olhos, a lágrima ameaça cair - "... é que a gente até jogava por prazer mesmo. O ABC para mim representou tudo".

E aqui, uma curiosidade. Nilson estava entre os nomes considerados certos para participar da excursão internacional de 1973 - aquela em que o ABC percorreu três continentes, evento lembrado até hoje. Só que o atleta ficou em Natal mesmo, um "corte forçado" que não partiu do ABC e sim das circunstâncias. "Não fui. A Marinha não admitiu. Eu teria que ficar com o ABC por um tempo indeterminado, a gente não sabia quando a excursão iria terminar -a Marinha só admite algo assim com um tempo determinado, com dia para começar e dia para terminar. Não era o caso, a Marinha não abriu mão, e eu não fui..."

Alecrim e afinidade

Depois do ABC, Nilson atuou pelo Alecrim de 1975 a 1984.
Em 1975 foi emprestado ao Alecrim - e a partir de 1977 ficou mesmo no alviverde, até 1984. "Fui levado para lá por Ely Morais e 'Seu' Bastos Santana".
É desse tempo a história do "homem da moto", contada por Soares [algumas semanas antes da conversa com Beckembauer, houve também uma longa conversa com Soares, que, entre outras reminiscências, confirmou ter voltado ao futebol, ainda que por pouco tempo, por obra de Beckembauer, que então andava de moto] Verdade? "Procede. Confirmo tudo! O homem da moto era eu mesmo. Passava por ele, acenava, um dia parei e o convenci a voltar a jogar". Na ocasião, Soares - o ponta-esquerda Ant"nio Soares - achou muito curioso: "Todo dia, próximo ao meio-dia, passava por ali um cara de capacete e moto acenando com a mão. Um dia pedi que ele parasse. Era Nilson Beckenbauer, na época jogador do Alecrim. Ele me disse `Você tem que voltar, e voltar pelo Alecrim' e eu respondi `Mas não tenho tempo...' O resultado disso é que joguei uns 8 ou 9 meses pelo Alecrim!"

Aliás, é com Soares - que conheceu naquele ABC de 1972 - que teve maior afinidade em campo. "Alem de um grande amigo, ele era um grande jogador, e era muito rápido. Ele fazia tudo, tudo que o Robinho (hoje no futebol espanhol) faz hoje."

Da bola aos números

Depois do Alecrim, tratou de cuidar do futuro. Passou a atuar menos no futebol e a estudar mais - daí não haver rastro de Nilson Beckenbauer durante pouco mais de uma década. "Comecei a me preocupar com o amanhã vendo os exemplos à minha frente: entre tantos jogadores consagrados, vi alguns vencedores e outros derrotados".

Completou os estudos - iniciados no Sagrada Família, na década de 1960 - e ingressou nos meios universitários. "Hoje sou formado em Economia..." - mas achou pouco, e foi além - "...e tenho pós-graduação em Economia do Trabalho".

Alto lá - Economia? "É um curso que me atrai. Porém, acho que o mercado ainda não está preparado para receber economistas. As empresas pensam antes em um administrador ou um contador, antes de um economista - e vejo o economista como uma base, um pedestal para o resto, com noções de administração, de contabilidade...", analisa, sem esconder o desejo de fazer um doutorado.

Paralelo ao futebol, Nilson atuou nas Forças Armadas. Foram 30 anos de Marinha - a chamada "Marinha de Gola Branca" - de 1966 até 1996, quando entrou para a "reforma" (aposentadoria) como segundo tenente. "Na ativa, cheguei a sub-oficial", lembra.

Mas nunca deixou de pensar em futebol. No início de 1997 o homem retornou aos campos de futebol - em princípio como técnico do Alecrim - por um curto período (de meados de janeiro a março). Não demorou muito, foi parar no ABC, inicialmente como diretor financeiro; hoje (2006) é o responsável pelo futebol amador, tendo sob sua responsabilidade as futuras gerações de atletas do alvinegro - as equipes infantil, juvenil e de juniores.
 

 

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