Hora de lembrar quem foi o atleta que conheceu o futebol nas Rocas, tornando-se craque e dirigente no ABC e no Alecrim.
Nilson lutava bravamente há anos contra uma maldita
hepatite C, mal que tem afligido muitos jogadores de futebol entre as
décadas de 1960 ao início da década de1980 - e suas complicações,
segundo radialistas. Deixa viúva - "Dona" Margarida Maria, com quem era
casado há 41 anos - e dois filhos - Andréa Celi (contadora; foi
liderança estudantil desde os tempos do Colégio Salesiano, segunda
metade da década de 1980 - mas esta é uma outra história!) e Rodrigo
Everton (dentista).
Certo é que morreu sem mágoa do futebol - pelo menos foi
o que garantiu à dupla Rogério Torquato "Blau" e Ribamar Cavalcante, há
cinco anos. Mas morreu sentindo que faltava mais respeito com os
atletas "da casa" - "Em todos os aspectos, não apenas dentro dos clubes,
mas inclusive por parte da imprensa: cobra-se demais do pessoal da
casa, o que não parece acontecer tanto com quem vem de fora. Com quem
vem de fora, se o jogador não se sai bem dizem que 'ele ainda está se
acostumando...', o que não acontece com o pessoal da casa. É isso, falta
um pouco de paciência", considerou Nilson, em meio a uma longa conversa
na ocasião. De quebra, tinha uma certeza: faltava gerenciamento no
futebol, daí a decadência.
Por outro lado, entre os fatos mais curiosos de sua
carreira está o de ter resistido ao apelido de Beckembauer, comparado
que foi ao capitão da seleção da Alemanha no comecinho da década de
1970, o "Kaiser' Franz Beckembauer - "Eu acho que foi por conta das
minhas características de jogo: eu tocava a bola com muita calma.
Achavam parecido com o Beckembauer. Foi Danilo (Menezes) que encarnou em
mim esse apelido de Beckenbauer. No início não gostei!!! Olha, depois
até achei bom. Melhor ser lembrado como Nilson Beckembauer do que
simplesmente como Nilson Silva...". E tinha de cabeça uma formação do
ABC condierada uma unanimidade - "Tião (ele não perdia uma defesa no
gol, nunca vi daquele jeito), Sabará. Edson, Telino e Anchieta;
Maranhão, Alberi e Danilo Menezes; Libâneo, Jorge Demolidor e Soares (o
maior ponta direita que já vi por aqui)."
Em memória e em homenagem a este homem, segue o texto original dos rascunhos do repórter, datado de 2006:
Nilson Beckenbauer
Era uma vez um meiocampista esguio, que na década de
1970 deixou marcas em dois dos principais times do Rio Grande do Norte,
combinando talento e estilo a ponto de ser comparado com um dos mais
importantes jogadores do mundo à época. Enquanto a Alemanha tinha em
seus quadros um rapaz chamado Franz Beckembauer, os potiguares tinham a
sua - digamos - cópia: Nilson Mário da Silva, ainda hoje chamado por
muitos de Nilson Beckembauer.
Nasceu no meio da Quaresma - 26 de fevereiro de
1948, 18 dias depois do Carnaval - em Jardim do Seridó. "Nem gosto muito
de Carnaval...", confessa. "A única coisa que fiz em Jardim do Seridó
foi nascer".
Passou a infância em Natal, onde se criou e começou a
estudar. E o futebol? "Comecei ali, nas Rocas" - à época, o bairro
respirava futebol, e muitos talentos surgiram ali. "Eu ficava mais nas
peladas da praia... depois fui para o campo. Joguei no Nacional, no
tempo de Albano - que foi jogador e depois técnico, atuou pela selecão
maranhense, um homem que tinha a cabeça muito fria".
Foi justamente esse Albano que o viu jogando à beira
da praia, e o levou aos gramados. "Lembro que o auxiliar dele era
Oziel, já falecido. Foi um dos melhores atacantes do ABC e do
América..." Era o ano de 1963, e Nilson defendeu o Nacional das Rocas
até 1965, atuando no meio-campo. "Mas às vezes jogava de volante, e
outras vezes até de quarto-zagueiro".
No ano seguinte, foi para a Marinha. Mas não deixou
de jogar futebol. Como acontece com todo marinheiro no Brasil, passou
uma boa temporada no Rio de Janeiro - e aproveitou a oportunidade.
"Joguei pela Portuguesa-RJ, como profissional... e aos fins de semana
batia bola em Teresópolis. Joguei também em outros cantos, como em Pau
Grande, terra do Garrincha"
Entre as feras
Quando viu, já era o ano de 1972 - e Nilson estava a
caminho de Natal para defender o ABC! "Ingressei no ABC através do
técnico Célio de Souza. Ele me conheceu jogando na Portuguesa".
Naquele tempo, o ABC estava se "assentando" em Morro
Branco - então um fim-de-mundo, hoje tomado por casas e apartamentos. E
o alvinegro estava organizando um time que estava prestes a participar
do então Campeonato Nacional (hoje Brasileiro Série A) e entraria para a
história do futebol potiguar. "Sabará, Edson, Telino, Anchieta, Danilo
(Menezes), Libâneo, Morais, Alberi, Soares... era um timaço!!!"
Nilson contribuiu para algo raro hoje em dia - "Um
dos grandes momentos no ABC foi o fato do time ter passado 25 jogos sem
perder uma partida sequer!" Mas o grande momento, para ele, foi um ABC x
América, válido pela seletiva ao Campeonato Nacional - "Foi um grande
jogo, terminou 1 a zero para o ABC, gol de Davi". Não seria o único
momento feliz de Nilson no Mais Querido. "Foram tantos momentos..." -
tira os óculos, esfrega os olhos, a lágrima ameaça cair - "... é que a
gente até jogava por prazer mesmo. O ABC para mim representou tudo".
E aqui, uma curiosidade. Nilson estava entre os
nomes considerados certos para participar da excursão internacional de
1973 - aquela em que o ABC percorreu três continentes, evento lembrado
até hoje. Só que o atleta ficou em Natal mesmo, um "corte forçado" que
não partiu do ABC e sim das circunstâncias. "Não fui. A Marinha não
admitiu. Eu teria que ficar com o ABC por um tempo indeterminado, a
gente não sabia quando a excursão iria terminar -a Marinha só admite
algo assim com um tempo determinado, com dia para começar e dia para
terminar. Não era o caso, a Marinha não abriu mão, e eu não fui..."
Alecrim e afinidade

Depois do ABC, Nilson atuou pelo Alecrim de 1975 a 1984.
É desse tempo a história do "homem da moto", contada por Soares [algumas
semanas antes da conversa com Beckembauer, houve também uma longa
conversa com Soares, que, entre outras reminiscências, confirmou ter
voltado ao futebol, ainda que por pouco tempo, por obra de Beckembauer,
que então andava de moto] Verdade? "Procede. Confirmo tudo!
O homem da moto era eu mesmo. Passava por ele, acenava, um dia parei e o
convenci a voltar a jogar". Na ocasião, Soares - o ponta-esquerda
Ant"nio Soares - achou muito curioso: "Todo dia, próximo ao meio-dia,
passava por ali um cara de capacete e moto acenando com a mão. Um dia
pedi que ele parasse. Era Nilson Beckenbauer, na época jogador do
Alecrim. Ele me disse `Você tem que voltar, e voltar pelo Alecrim' e eu
respondi `Mas não tenho tempo...' O resultado disso é que joguei uns 8
ou 9 meses pelo Alecrim!"
Aliás, é com Soares - que conheceu naquele ABC de
1972 - que teve maior afinidade em campo. "Alem de um grande amigo, ele
era um grande jogador, e era muito rápido. Ele fazia tudo, tudo que o
Robinho (hoje no futebol espanhol) faz hoje."
Da bola aos números
Depois do Alecrim, tratou de cuidar do futuro.
Passou a atuar menos no futebol e a estudar mais - daí não haver rastro
de Nilson Beckenbauer durante pouco mais de uma década. "Comecei a me
preocupar com o amanhã vendo os exemplos à minha frente: entre tantos
jogadores consagrados, vi alguns vencedores e outros derrotados".
Completou os estudos - iniciados no Sagrada Família,
na década de 1960 - e ingressou nos meios universitários. "Hoje sou
formado em Economia..." - mas achou pouco, e foi além - "...e tenho
pós-graduação em Economia do Trabalho".
Alto lá - Economia? "É um curso que me atrai. Porém,
acho que o mercado ainda não está preparado para receber economistas.
As empresas pensam antes em um administrador ou um contador, antes de um
economista - e vejo o economista como uma base, um pedestal para o
resto, com noções de administração, de contabilidade...", analisa, sem
esconder o desejo de fazer um doutorado.
Paralelo ao futebol, Nilson atuou nas Forças
Armadas. Foram 30 anos de Marinha - a chamada "Marinha de Gola Branca" -
de 1966 até 1996, quando entrou para a "reforma" (aposentadoria) como
segundo tenente. "Na ativa, cheguei a sub-oficial", lembra.
Mas nunca deixou de pensar em futebol. No início de
1997 o homem retornou aos campos de futebol - em princípio como técnico
do Alecrim - por um curto período (de meados de janeiro a março). Não
demorou muito, foi parar no ABC, inicialmente como diretor financeiro;
hoje (2006) é o responsável pelo futebol
amador, tendo sob sua responsabilidade as futuras gerações de atletas do
alvinegro - as equipes infantil, juvenil e de juniores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário