RIO - Em depoimento à Justiça, um cabo da Polícia Militar preso pela
morte da juíza Patrícia Acioli admitiu ter atirado na magistrada e
disse que o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira recebia parte
das apreensões feitas irregularmente por policiais durante as operações
do Grupamento de Apoio Tático (GAT).
O ex-comandante do 7º BPM (São Gonçalo), que está preso sob a acusação de ser o mentor do crime
, é suspeito de ficar com o "espólio" do tráfico nas favelas onde
realizava operações. O cabo decidiu colaborar com a polícia em troca do
benefício da delação premiada. O GLOBO teve acesso ao depoimento, que
durou cerca de duas horas.
O cabo disse que a execução foi tramada pelo tenente Daniel
Benitez, que chegou a propor a contratação de uma milícia do Rio para
cometer o crime. A ideia não foi adiante. De acordo com o militar,
Benitez era o homem de confiança do tenente-coronel Cláudio, com quem
atuou em três unidades da PM antes de os dois serem lotados no 7º BPM. O
policial disse à Justiça que o tenente era o responsável por repassar
ao ex-comandante a caixinha do tráfico das favelas do Salgueiro e da
Coruja. O valor era pago semanalmente aos policiais do GAT do 7º BPM.
Ainda de acordo com o delator, as armas usadas no assassinato da
juíza eram "espólio" de operações em favelas de São Gonçalo. Uma delas, a
de calibre .40, foi apreendida no Morro da Coruja. Segundo o PM, parte
da munição utilizada era do 7º BPM e parte fora apreendida em favelas.
Outra arma do crime, o revólver calibre 357, ficou com Benitez, que,
segundo o depoimento, também adquiriu a moto usada na emboscada contra
Patrícia. O carro utilizado no crime, um Palio vinho, foi incendiado na
mesma noite, no bairro Santa Luzia.
O cabo contou ainda que o GAT atuava nas favelas mais perigosas
de São Gonçalo. A cada 24 horas, eles eram cobrados para que fizessem
grandes apreensões de drogas e armas. De acordo com o depoimento, o
grupo não apresentava o material à delegacia. O dinheiro arrecadado
ficava com a equipe. O réu colaborador disse ainda que Benitez convidou
os integrantes do GAT a se transferirem para o 14º BPM (Bangu), para
onde o tenente-coronel Cláudio estava cotado para assumir o comando.
Segundo o cabo, o comentário no quartel era que "em Bangu o espólio
seria maior".
De acordo com o cabo, a juíza escapou de duas tentativas de
emboscada montada pelos policiais. Numa, ocorrida uma semana antes do
assassinato, ela escapou por não ter ido ao Fórum de São Gonçalo. O cabo
acrescentou em seu depoimento que, dias antes do assassinato, um dos
policiais envolvidos no plano havia perdido o rastro da juíza. O PM
estava incumbido de seguir Patrícia, mas acabou perdendo a magistrada de
vista no Centro de São Gonçalo.
Considerado pela DH fundamental por indicar a participação do
tenente-coronel na trama, o depoimento cita ainda a participação de um
policial do 12º BPM (Niterói), que levou o tenente Benitez até a casa da
juíza, em Piratininga, durante o planejamento do crime. O policial do
batalhão de Niterói ainda não foi preso, e por isso não teve o nome
divulgado.
O cabo afirmou ainda que, após ter sido preso, juntamente com o
tenente Benitez e outro cabo, o tenente-coronel Cláudio esteve no
batalhão Prisional Especial (BEP) para conversar com os três. Na visita,
no domingo do Dia dos Pais, que não foi registrada no livro de entrada
da prisão, o então comandante do 7º BPM se comprometeu a ajudar os três,
inclusive indicando um advogado para defendê-los.
O presidente do TJ, desembargador Manoel Rebêlo dos Santos,
ressaltou que a prisão de um mandante de crime é um fato raro no país.
- Sempre chegamos aos executores, mas poucas vezes no Brasil se consegue chegar ao mandante - frisou o desembargador.
Perguntado se a prisão de um comandante de batalhão afetaria a
posição do comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, o
secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que o oficial
continua gozando de sua "plena confiança". Beltrame disse ainda que a
transferência de Cláudio para o 22 BPM uma semana após a morte da juíza
não significou uma proteção ou promoção.
O presidente da Associação de Magistrados do Rio de Janeiro,
Antônio César de Siqueira, lamentou que um comandante esteja sendo
acusado de ser mandante do crime:
- É lamentável que pessoas que ocupam cargo de comando estejam à frente de um ataque à democracia.
Comandante em Bangu foi preso em 2006
Até
acontecer o caso do tenente-coronel Cláudio, o único oficial da mesma
patente preso na PM havia sido o então comandante do 14º BPM (Bangu),
Celso Lacerda Nogueira. O tenente-coronel foi preso no dia 15 de
dezembro de 2006, dentro das investigações da Operação Gladiador,
acusado de corrupção passiva e participação no bando do bicheiro
Fernando Iggnacio. Ele foi condenado a sete anos de reclusão. Seu
processo, porém, está em recurso no Tribunal Regional Federal da 2ª
Região.
O oficial também responde a um Conselho de Justificação na Seção
Criminal do TJ do Rio, mas a ação foi suspensa, até que transite em
julgado o processo federal. Só aí o processo sobre a perda de patente
será julgado.
Oficial pode ser levado para presídio fora do Rio
O
presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Manoel Alberto Rebêlo,
disse na terça-feira em entrevista à Rádio BandNews que os PMs presos
devem cumprir suas penas em presídios fora do estado. Uma das opções
seria a penitenciária de Catanduvas, no Paraná.
- Os culpados serão processados, punidos e, no que depender de
mim, cumprirão pena em presídio de segurança máxima fora do Rio - disse
ele.
Em entrevista de manhã, sem a presença de um representante do
comando, o corregedor-geral da PM, Ronaldo Menezes, anunciou que o
tenente-coronel Cláudio Luiz de Oliveira seria transferido para o
presídio Bangu 8. O militar apresentou-se no Batalhão de Choque, no
Centro, por volta das 3h de terça-feira, após ser informado pela
corregedoria sobre seu mandado de prisão.
O corregedor disse ainda que os outros policiais presos ontem
também iriam para Bangu 8 (onde ficam detentos com curso superior). São
eles cabo Alex Ribeiro Pereira (7º BPM), cabo Sammy dos Santos
Quintanilha (7º BPM), cabo Carlos Adílio Maciel Santos (7º BPM), cabo
Jovanis Falcão Júnior (7º BPM), 3º sargento Charles de Azevedo Tavares
(7º BPM) e soldado Júnior César de Medeiros (7º BPM). Outros três já
estavam presos desde o último dia 12: o tenente Daniel Santos Benitez
Lopes e os cabos Jeferson de Araújo Miranda e Sérgio Costa Júnior. Esses
estão em diferentes prisões.
O corregedor-geral disse que aguardará detalhes sobre as razões
para a Justiça ter expedido o mandado de prisão contra Cláudio de
Oliveira, que foi exonerado. Quem assume provisoriamente o comando do 22
BPM é o subcomandante da unidade, o tenente-coronel Isidro.
- Após todos esses fatos, será aberto um processo administrativo - disse Menezes.
O prazo para conclusão do processo é de 40 dias. Depois disso,
será levado para o secretário de Segurança, que abrirá um processo de
justificação. O procedimento poderá culminar com a demissão do oficial
da corporação.